Apelação/Remessa Necessária Nº 5010861-49.2022.4.04.7110/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
RELATÓRIO
Trata-se de mandado de segurança interposto por F. L. R. P. objetivando ordem para alterar a inscrição do Impetrante no Programa de Avaliação da Vida Escolar - PAVE, da modalidade L13 para L5 (candidatos que tenham, cursado todo o ensino médio em escolas públicas, independente da renda).
A ordem foi concedida (
):Ante o exposto, ratifico a liminar deferida em sede recursal e, no mérito, concedo a segurança para o fim de determinar a alteração do formulário de inscrição do Impetrante junto ao Programa de Avaliação da Vida Escolar - PAVE da modalidade L13 para L5.
Sem honorários advocatícios, a teor do art. 25 da Lei n° 12016/09.
A UFPEL interpôs apelação (
). Alega, em suma, que não há direito líquido e certo, uma vez que o Edital prevê, em seu item 4.13.7.2. que "Não haverá possibilidade de troca de opção de curso após o encerramento do período de inscrições, assim como da modalidade de concorrência, sendo consideradas válidas as informações da última inscrição realizada." Sustenta haver vilação aos princípios da isonomia e da autonomia universitária (art. 205 e 206 da CF)Requer expresso pronunciamento judicial acerca dos arts. 2°; 5º, I; 37, caput, I e II; art. 205; 206, inciso I, II e IV; art. 207; art. 208, inciso V, todos da CF/88; art. 41 da Lei 8.666/93; art. 53 da Lei 9.394/96, com a finalidade de prequestionamento.
Não houve contrarrazões.
Opina o Ministério Público Federal pelo desprovimento da apelação interposto pela UFPEL (
).É o relatório.
VOTO
A sentença adotada pelo Juízo da 6ª Vara Federal de Porto Alegre, MM. DANIELA CRISTINA DE OLIVEIRA PERTILE VICTORIA, está alinhada aos precedentes deste Tribunal, nesse sentido (
):II - Fundamentação
Mérito
Requereu a parte Impetrante ordem para a alteração da sua instrição para o Programa de Avaliação da Vida Escolar - PAVE, da modalidade L13 para L5 (candidatos que tenham, cursado todo o ensino médio em escolas públicas, independente da renda). Alega ter se inscrito para o PAVE na modalidade L5 mas, por equívoco do Sistema, teria sido homologada a sua inscrição na modalidade L13, destinada a candidatos com deficiência.
Ao ser analisado o pedido de tutela antecipada, foi proferida a seguinte decisão:
"A concessão de medida liminar em mandado de segurança está atrelada ao disposto no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/09, segundo o qual o Juiz, ao despachar a inicial, poderá suspender o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante (fumus boni iuris) e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida (periculum in mora).
É sabido ser firme na jurisprudência o entendimento de que as normas do Edital que rege o concurso público vinculam tanto a Administração como os candidatos que dele participam, por exigência de isonomia, impessoalidade, moralidade, previsibilidade e boa-fé nas relações jurídico-administrativas.
Em análise ao edital que regeu o certame, temos as seguintes regras relativamente à modalidade de concorrência:
4.13.7.2. Não haverá possibilidade de troca de opção de curso após o encerramento do período de inscrições, assim como da modalidade de concorrência, sendo consideradas válidas as informações da última inscrição realizada.
4.13.7.3. As informações de tipo de modalidade de concorrência e curso são de inteira responsabilidade do candidato, em relação às quais não poderá alegar desconhecimento ou equívocos do sistema.
Não obstante se encontre a previsão de impossibilidade de reclamação relativamente à modalidade de concorrência escolhida quando da inscrição, a autoridade coatora, em suas informações, justificou a manutenção do autor na modalidade L5, também, em argumento de que o edital fazia previsão da forma adequada para apresentação de insurgência nesse tocante, que seria o recurso, do qual defendeu não ter a parte autora se valido.
Eis a previsão do edital:
4.16.10. Caso o candidato constate que a sua inscrição não foi confirmada ou não encontre o seu nome na lista preliminar de homologação, deverá solicitar recurso até o terceiro (3º) dia útil após a divulgação da lista, pela internet no site de Atendimento da UFPel (https://atendimento.ufpel.edu.br/osticket/open.php), no Tópico de Ajuda PAVE_ e Título do Atendimento: Recurso. O candidato deve solicitar a inclusão de seu nome dentre os inscritos, devendo para tanto: a) Apresentar o comprovante ORIGINAL do pagamento da taxa e o boleto gerado; ou b) Informar que teve seu pedido de isenção aprovado.
Sublinhe-se que, no entanto, a parte autora apresentara sua reclamação através de troca de e-mails com servidora da UFPEL (evento 1 - OUT11), iniciada em 19.10.2022, ao que tudo indica, dentro do prazo de 03 dias úteis contados da divulgação da lista preliminar de candidatos homologados, a qual, conforme previsão do item 4.16.8 do edital, foi divulgada em 14.10.2022. No entanto, a insurgência do autor se deu em forma dissonante da estipulada em edital.
Dessa forma, acolher o pleito liminar seria afrontar o Princípio da Isonomia, uma vez que alterar a regra de certame em favor de um candidato seria desacolher diversos outros que podem se encontrar na mesma ou até em mais delicada situação.
Assim, compulsando o processado, não é possível aferir, de plano, vício no proceder administrativo, tendo ele, ao que tudo indica, se pautado pela razoabilidade.
ANTE O EXPOSTO, indefiro a medida liminar."
Entretanto, analisando os autos com mais vagar, entendo que a decisão merece reforma.
A situação é peculiar e demanda análise da lide sob outro aspecto.
Penalizar o Impetrante com a perda da chance de participar do Programa de Avaliação da Vida Escolar - PAVE na modalidade L5, por erro de inscrição (ou, quiçá, erro no sistema) contraria o princípio da razoabilidade, mitiga o direito de igualdade e vai de encontro à garantia constitucional de amplo acesso à educação.
Veja-se que o próprio Edital do certame traz a possibilidade de alteração da inscrição através de recurso. Embora a parte Impetrante não o tenha interposto, é certo que dentro do prazo solicitou a correção do erro através de troca de e-mails junto à instituição.
É de se destacar que a alteração da modalidade de inscrição preconizada pelo Impetrante não traz prejuízo à UFPEL ou demais candidatos.
O TRF4, inclusive, vem pautando as suas decisões com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, sem supervalorizar aspectos meramente formais em detrimento da concretização do direito à prestação educacional. Cito:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. MATRÍCULA NO CURSO DE MEDICINA. APRESENTAÇÃO TARDIA DE DOCUMENTOS. APROVAÇÃO NO PROCESSO SELETIVO ALTAMENTE CONCORRIDO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. A despeito da apresentação tardia do comprovante de conclusão das disciplinas exigidas, não se afigura razoável penalizar a autora com a perda da vaga conquistada em processo seletivo altamente competitivo, como, de regra, é o vestibular para acesso às universidades públicas, notadamente porque comprovado o implemento do requisito legal para provê-la. Essa é uma consequência extremamente gravosa, que contraria não só o princípio da razoabilidade como também a própria finalidade do certame (selecionar os candidatos mais preparados), além de mitigar o direito fundamental de facilitação de acesso à educação superior. (TRF4, AG 5039917-20.2022.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 08/11/2022)
ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. DIREITO À MATRÍCULA. DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA FORA DO PRAZO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. A Constituição Federal confere status fundamental ao direito de acesso à educação, o que impõe ao Judiciário a necessidade de pautar a análise dos casos que lhe são submetidos pela razoabilidade/proporcionalidade, sem supervalorização de aspectos meramente formais, em detrimento da concretização do direito social. (TRF4, AC 5029217-25.2022.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relator SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, juntado aos autos em 12/04/2023)
Imperioso sublinhar que não se pretende, com esse entendimento, relativizar critérios objetivos e prévios de seleção de candidatos às Universidades. Objetiva-se, apenas, assegurar ao demandante a oportunidade de participar da prova do PAVE na condição de candidato na modalidade correta - L5, não lhe retirando a obrigação de preencher os demais requisitos para ingresso no Ensino Superior.
Corroborando o entendimento acima, a decisão proferida nos autos do Agravo de Instrumento interposto pelo Impetrante, cujo excerto transcrevo:
"Em que pese a argumentação expressa na decisão de indeferimento, tenho que existem elementos probatórios suficientemente hábeis para proferir juízo contrário àquela, a qual não está alinhada às decisões proferidas por este Tribunal.
São dois os principais argumentos que devem ser observados e que me fazem adotar decisão diversa.
Em primeiro lugar, conforme consta na decisão agravada, caso o candidato constatasse que a sua inscrição não fora confirmada ou não encontrasse o seu nome na lista preliminar de homologação, deveria solicitar recurso até o terceiro (3º) dia útil após a divulgação da lista, pela internet no site de Atendimento da UFPel, conforme item 4.16.10 do Edital.
O agravante apresentou sua reclamação através de troca de e-mails com servidora da UFPEL (
), iniciada em 19.10.2022, portanto, dentro do prazo de 03 dias úteis contados da divulgação da lista preliminar de candidatos homologados, a qual, conforme previsão do item 4.16.8 do edital, foi divulgada em 14.10.2022.Ainda que o autor tenha apresentado sua reclamação em canal diverso daquele estipulado pelo edital (por e-mail e não pelo site de Atendimento da UFPel), ele o fez dentro do prazo, demonstrando empenho em resolver o equívoco ocorrido.
Neste caso, o formalismo exacerbado deve ser flexibilizado diante do empenho do agravante e do direito fundamental à educação.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO VESTIBULAR. EXPEDIÇÃO DE CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DE ENSINO MÉDIO. FORMALISMO EXACERBADO. RAZOABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. Deve-se privilegiar o direito à educação frente às exigências meramente formais, cabendo ao Poder Judiciário, atendendo aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, ponderar e atuar como instrumento de controle dos atos administrativos. 2. Hipótese em que houve atraso no fornecimento do diploma do ensino médio, de modo que a impetrante perderia a oportunidade de ingressar no curso de Nutrição na Universidade Estadual do Oeste do Paraná. (TRF4, REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL Nº 5000503-49.2022.4.04.7005, 3ª Turma, Juíza Federal CLAUDIA MARIA DADICO, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 26/07/2022)
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. IES. CENSO 2020. PRAZO. FALHA NA COMUNICAÇÃO. RAZOABILIDADE. DIREITO À EDUCAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. REMESSA OFICIAL DESPROVIDA. 1. Apesar da Instituição de Ensino Superior (IES) não ter realizado o fechamento do Censo 2020 no prazo, tampouco apresentado justificativa, restou comprovado documentalmente que houve falha na comunicação entre o INEP e a IES. Isso porque a IES entendeu pela desnecessidade de tais procedimentos, e não apenas em relação a um dos módulos - módulo de verificação das consistências. 2. Diante da situação de erro passível de saneamento, não seria razoável negar - ao fundamento de decurso de prazo - o fechamento do Censo 2020 e com isso suspender a IES junto aos Programas de FIES e PROUNI. Tal medida apenas importaria prejuízo aos alunos e à instituição, que dependem daqueles para o custeio do curso superior. 3. Trata-se da concretização do direito fundamental à educação, o qual, considerada a relevância dos serviços alcançados pela entidade de educação superior, deve prevalecer sobre o estrito formalismo do prazo para envio e fechamento do Censo 2020. (TRF4, REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL Nº 5004638-13.2022.4.04.7100, 3ª Turma, Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 30/11/2022)
Ademais, o item 6.11 do Edital traz a seguinte previsão (
):6.11. Perderá a vaga o candidato que não comprovar, na forma e nos prazos estabelecidos, a condição exigida para a ocupação da vaga pelo Sistema de Cotas, ou que não tiver homologada a autodeclaração étnico-racial, pela Comissão de Heteroidentificação.
Dessa forma, caso o agravante não consiga retificar sua inscrição para a categoria adequada, ele irá necessariamente perder a oportunidade de concorrer à vaga no ensino superior diante da não comprovação de sua condição enquanto pessoa com deficiência.
Ou seja, é possível dizer que ele já estaria eliminado do certame diante da previsão do item 6.11, o que seria uma consequência extremamente grave e desproporcional, considerando o equívoco cometido e a tentativa de solucioná-lo.
Assim sendo, restou evidenciado que o equívoco do agravante, ao assinalar a categoria errada de cotas, não decorreu de má fé.
Sinale-se que, no que diz respeito à antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, a jurisprudência é reiterada acerca de sua possibilidade (STJ, AgRg no AREsp 261.364/ES, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/06/2014, DJe 20/06/2014; e AgRg no REsp 1401730/PA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/03/2014, DJe 31/03/2014), não havendo mais considerações a fazer. No âmbito deste TRF, foi consolidado entendimento no sentido de que a alegação de que "As normas infraconstitucionais limitadoras da antecipação de tutela contra o Poder Público devem ser interpretadas em acordo com o texto constitucional e, em especial, com os ditames máximos de proteção aos axiomas concretizadores da dignidade humana (...)" (TRF4, AG 5003787-12.2014.404.0000, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 05/06/2014).
Ademais, a vedação ao deferimento de antecipação dos efeitos da tutela que esgote o objeto do processo, no todo ou em parte, somente se justifica nos casos em que o retardamento da medida não frustrar a própria tutela jurisdicional, o que não é a hipótese dos autos.
Sendo assim, estando demonstradas a probabilidade do direito invocado pelo agravante e a existência de perigo de dano, recomendável que seja reformada a decisão agravada.
Do exposto, defiro o pedido de antecipação da tutela liminar."
Desta feita, do panorama fático e probatório do autos, há de ser concedida a segurança, de modo a permitir a alteração do formulário de inscrição do Impetrante junto ao Programa de Avaliação da Vida Escolar - PAVE da modalidade L13 para L5.
A presente situação já foi analisada por este Relator em sede de Agravo de Instrumento. A decisão apelada encontra-se em consonância com a decisão anterior, não havendo novos elementos capazes de alterar o entendimento exposto.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por ROGERIO FAVRETO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004041963v5 e do código CRC a4da6cc6.
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Signatário (a): ROGERIO FAVRETO
Data e Hora: 10/10/2023, às 17:36:58